segunda-feira, 14 de março de 2011

A função de uma charge...

No Sábado passado, dia 12 de Março de 2011, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma charge do desenhista João Montanaro, que é no meu entender desrespeitosa, sobre a catástrofe ocorrida no Japão, fazendo alusão a uma famosa xilogravura de 1830, “Tsunami em Kanagawa”, Katsushika Hokusai .
Resolvi então escrever ao jornal sobre a péssima impressão que a charge me deixara, acredito que em determinadas situações certas manifestações não são cabíveis, tal qual como ocorrera com a charge. A minha carta fora publicada na edição desta segunda, 14 de março de 2011, e segue abaixo. Gostaria de pedir a todos que, se puderem, dêem uma olhada no meu escrito. Obrigado =)!

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"A página A2 do jornal Folha de São Paulo reserva espaço à opniões e críticas de jornalistas e outros membros ilustres da sociedade civil. Reserva espaço ainda, neste bloco de opniões, ao uso de charges como forma de expressão crítica retocada de humor de seus desenhistas.
Todavia, ao abrir o jornal deste sábado, 12 de março de 2011, nestá página, deparei-me com uma grande dúvida: qual o intuito daquela charge? Há intenção crítica?.
Qual a inteção do chargista João Montanaro ao retratar a catástrofe decorrente de um tsunami que arrasou o noroeste do Japão daquela maneira? Não se presta homenagem à tragédias, senão aos mortos decorrentes dela, nem se presta a realizar comicidade com fatos dessa natureza. A Guernica de Picasso retrata a tragédia da guerra, mas incute ao observador o horror que fora a Guerra Civil Espanhola, mas e a charge de João Montanaro?
Não me parece haver crítica, ou qualquer fundamento neste desenho para que mereça o espaço daquela página, carece de sentido. Caso seja a comicidade, penso ser importante rir da tragédia humana, mas rir inclusive daquelas em que não fora causadas por algum outro homem? Rir daquelas em que morrem centenas de inocentes? Que culpa temos no surgimento de um Tsunami?
Talvez se diga que é importante notas deste tipo para que o leitor saiba do ocorrido. Mas, acredito que notas sóbrias, notícias na página Mundo, ou faixas de luto são mais próprias para a ocasião. Momentos como esse não comportam essas charges.

Obrigado pela atenção,

Danilo Goto."

10 comentários:

  1. Caro Danilo.
    Respeito seu ponto de vista, mas a charge faz um comparativo à uma obra conhecida da arte japonesa.
    É como se houvesse uma triste coincidência do destino em retratar algo de tamanha tristeza e relevância. É mais ou menos como se existisse um famoso quadro NovaIorquino retratando dois prédios.
    A charge foi inteligente, sensível e o simples fato de despertar o questionamento e reflexão já valeu como proposta de "representação gráfica".
    A charge caminha totalmente em aspectos semânticos e seu poder de informação é maravilhoso. Abraço
    rafa camargo

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  2. Rafael, primeiramente, muito obrigado pelo seu comentário, fico honrado.
    Todavia, ainda assim, não posso deixar de considerar como não ofensiva a charge. De fato, há poder de informação na charge e a sua observação de que houve uma percepção de dois fatos e quadros semelhantes é relevante. Mas não se pode esquecer que há mais informações contidas e, portanto, mais interpretações plausíveis como a sua na leitura da charge.
    Não me parece respeitoso o modo com que o autor tratou o fato. Se fizessem uma charge da tragédia do Rio com o título "Pinturas cariocas: Deslizamento de terras", pensaria que tal faz diminuir a relevância das centenas de pessoas esmagadas ou asfixiadas sobre os escombros,como se a tragédia fosse cotidiana, mais um retrato qualquer que se junta aos demais da vida carioca.
    Pode-se contraargumentar dizendo que há respeito às vitimas, pois há uma preocupação em não retratar pessoas, se não o cenário destroçado (tal como fez o comentário dum outro leitor da Folha), havendo e conservando apenas a ligação entre arte/cultura e meio ambiente. Mas me soa tão fictício quanto resolver um exercício de física, desconsiderando o atrito, a forma do corpo (elefante ou formiga, não importa, considere como um ponto. A situação fornece soluções em termos pedagógicos, mas na vida real não se torna plausível.
    Ou seja, o que quero dizer com este último exemplo é que pontos de vista devem levar outras situações ao redor em consideração, pois, de um modo ou de outro, no caso, a expressão e interpretação artística remete a varios pontos (dentre eles, alguns que nós pudemos enxergar). Não se pode preterir deixar a reflexão em apenas algo pontual tal como arte e meio ambiente, é preciso enxergas outros pontos de vistas tal como o meu e o seu. Sendo assim, acredito neste valor de reflexão apresentada na charge, o qual você me elucidou, mas também não posso deixar de notar que a charge ainda aponta, mesmo que não seja a intenção do autor (embora, dada a relevância do espaço em que suas publicações ocupam, deveria ele atentar para as possibilidades interpretativas de suas obras), para uma menorização ou reducionismo dos fatos. Seria mais próprio usar o espaço não para se notar coincidências no mundo, mas para se ter um momento de luto e respeito às mais de milhares de vítimas diretas ou indiretas do Tsunami.

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  3. Na xilogravura de Katsushika Hokusai tb se pode ver as canoas (acho q posso chamar assim) sucumbindo a Tsunami, é um belo trabalho e ninguém diz que o artista se aproveitou da desgraça alheia pra brilhar, da mesma maneira que Montanaro usou de sua sensibilidade e conhecimento para retomar a obra e acrescentar detalhes atuais.
    Eu particularmente não vi ofensas tanto no mestre quando no olhar crítico e sábio do jovem artista.
    Abraços
    Inês

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  4. Cara, Inês, obrigado pelo comentário.
    Todavia pergunta-se se houve ou há algum relato da existencia verídica de um tsunami em Kanagawa. E respondo que não, portanto, os eventos tem leve semelhança, mas só.
    A apreciação estética de uma obra não exclui a crítica, devendo ainda ser considerado o contexto da obra.
    Obviamente, Hokusai não se aproveitou da desgraça alheia, pois não havia onda que assolara Kanagawa como a que assolou o Japão atual, mas não disse também que João se aproveitara da dor dos outros, acredito que fora precipitado em não levar em consideração a dimensão da sua charge. A analogia é uma ferramenta poderosa, mas perigosa ao mesmo tempo se não levar as particularidades das épocas. É preciso lembrar mais uma vez que contextos são diferentes, no evento atual houve milhares de mortes e dezenas de pessoas sofrendo efeitos colaterais, dentre eles, milhares de pessoas desaparecidas, desabrigadas, soterradas.
    É preciso na leitura da obra ter em mente que ela remete a várias possíveis interpretações, mas reduzir a charge a apenas uma apreciação da força esmagadora da natureza em um contexto atual sem levar a dor dos que choram pelas mortes é algo que me é difícil de se aceitar.

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  5. Concordo 100% com o Rafa Camargo, a charge deve sempre nos levar à uma reflexão. Creio eu que o João (um garoto de 14 anos gente) não estava "rindo da desgraça alheia" mas quis revelar o mundo para o qual caminhamos hoje, talvez pelo desconhecimento das pessoas da xilogravura de Katsushika Hokusai, que mostra uma Tsunami, houve uma beligerância incomum contra o autor da charge, sem observarem que a Tsunami desta semana promoveu uma verdadeira devastação que outrora não era comum e hoje tem uma dimensão muito maior, arrastando tudo a sua frente. Acho que tudo depende do ponto de vista, do olho do observador....sejamos então mais sensíveis e busquemos outras óticas e não o julguemos de imediato.

    Abraço

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  6. Beta e Kacau, obrigado pelo comentário.
    Busquemos, antes de julgamentos imediatos, evitar certas reflexões reducionistas ou por demasiado relativistas.
    Há de se considerar as interpretações possíveis, tanto a que concordamos ou não. Concordo especialmente com o fato de o tsunami ter causado grande polêmica e que é necessario sempre buscar outras óticas, mas tão só. Não há aqui pretensão de verdade universal, senão um ponto de vista que se junta aos demais. Como disse, não julguemos de imediato
    Por fim, de fato o talentoso chargista tem apenas catorze anos e é um grande feito alcançar a posição que ocupa tão jovem. Contudo, eximiremo-nos de tecer críticas e fomentar o debate apenas pela idade? Interessante seria então colocar colunistas tão jovens quanto para escrever sobre temas polêmicos, não duvidaria da habilidade deles, mas suspeitaria de quem dissesse que certas críticas não seriam passíveis de serem feitas em face da idade de quem argumenta.

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  7. Danilo, devo dizer que não tenho uma opinião formada sobre o assunto. Na primeira vez que vi a charge, achei-a de muito mau gosto, parecia satirizar a tragédia e a cultura japonesa ao mesmo tempo.
    Hoje, no entanto, li na folha diversos cartunistas explicando que o sentido de uma charge nem sempre é cômico e muita vez serve para criar uma reflexão.
    Todos cartunistas pareciam defender o garoto, enquanto ele mesmo dizia que não teve a intenção de gozar da tragédia.
    Ainda assim, qual a reflexão que esta charge cria? Apesar de martelarem a ideia de que a charge nos faz pensar, ainda não consegui ver nenhum sentido maior do que o cômico, que é lamentável.

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  8. Para os que disseram que o cartunista é só um garoto, os editores do jornal que publicou a charge são bem adultos.

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  9. Bom dia Danilo,

    Quando me referi a idade do garoto, quis colocar como fico impressionada de tão jovem, se manifestar de modo tão peculiar e com uma visão bem abrangente do que os olhos de muitos adultos podem alcançar, senão não estaria fazendo charges para um jornal importante como o que o promove. E certamente como disse Walter, quem autoriza as publicações é certamente bem adulto para assumir a responsabilidade da divulgação.

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  10. Enfim uma opinião mais sensata no meio deste unilateralismo que vem se apresentando nos ultimos dias na Folha e nas opiniões diversas...

    http://sergyovitro.blogspot.com/2011/03/ombudsman-suzana-singer_20.html

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